São perfeitamente compatíveis com a Doutrina Espírita,
que nos fala da reencarnação como uma experiência
difícil, complicada, mas necessária, no estágio
de evolução em que nos encontramos. É, digamos,
uma materialização a longo prazo, uma armadura de
carne que vestimos, a limitar nossas percepções.
Ligação tão íntima, tão entranhada,
que o corpo passa a integrar nossa alma, como um apêndice,
colocando-nos em contato com vicissitudes como a dor, o desajuste,
a doença, a senilidade, próprios dos seres biológicos,
a se acentuarem na medida em que se desgastam suas células.
Por
outro lado, o esquecimento das experiências anteriores
gera boa dose de insegurança. O reencarnante situa-se perdido
no presente, a caminhar para o futuro sem o referencial do passado.
E há, ainda, o contato com pessoas e situações
que dizem respeito ao pretérito, envolvendo afetos e desafetos.
Estará às voltas com sentimentos gratuitos e contraditórios
de simpatia e antipatia, afeto e desafeto, amor e ódio,
envolvendo gente de seu relacionamento, particularmente os familiares.
Isso
tudo é necessário, uma contingência evolutiva.
A carne é a lixa grossa que desbasta nossas imperfeições
mais grosseiras.
O
esquecimento do passado é a bênção
do recomeço, a fim de que possamos superar paixões
e fixações que precipitaram nossos fracassos no pretérito.
A
convivência com afetos e desafetos de vidas anteriores é a
oportunidade de consolidar afeições e desfazer aversões.
Mas… enfrentar tudo isso em estado de amnésia, sem
a mínima noção do porquê dessas experiências!…
Barra pesada!
A
literatura psíquica nos dá notícia das
angústias do Espírito, quando se prepara para o mergulho
na carne, considerando suas próprias limitações
e as dificuldades inerentes à jornada humana.
Em
O Livro dos Espíritos, há a questão 341:
Pergunta Kardec:
Na
incerteza em que se vê, quanto às eventualidades
do seu triunfo nas provas que vai suportar na vida, tem o Espírito
uma causa de ansiedade antes da sua encarnação?
Responde o mentor:
De
ansiedade bem grande, pois que as provas da sua existência
o retardarão ou farão avançar, conforme as
suporte.
No
livro Nosso Lar, psicografia de Francisco Cândido Xavier,
André Luiz reporta-se à ansiedade de Laura, nobre
senhora que se preparava para reencarnar. Não obstante seus
incontáveis méritos, encarava com apreensão
o mergulho na carne. E comenta com o Ministro Genésio, um
benfeitor espiritual:
– Tenho solicitado o socorro espiritual de todos os companheiros,
a fim de manter-me vigilante nas lições aqui recebidas.
Bem sei que a Terra está cheia da grandeza divina. Basta
recordar que o nosso Sol é o mesmo que alimenta os homens;
no entanto, meu caro Ministro, tenho receio daquele olvido temporário
em que nos precipitamos. Sinto-me qual enferma que se curou de
numerosas feridas… Em verdade, as úlceras não
mais me apoquentam, mas conservo as cicatrizes. Bastaria um leve
arranhão, para voltar a enfermidade.
Laura
reporta-se àquele que talvez seja o maior problema
do Espírito reencarnado – a reincidência. Tornar
aos mesmos enganos do passado.
Nas
reuniões mediúnicas é comum o contato
com Espíritos que simplesmente refugam as oportunidades
de reencarnar, alegando que estão muito bem e não
se sentem dispostos a enfrentar o mergulho nas incertezas da carne.
Embora tenham que fazê-lo,
mais cedo ou mais tarde, resistem o quanto podem.
Em
face disso tudo, amigo leitor, podemos afirmar, sem sombra de
dúvida, que reencarnar é complicado.
Já desencarnar é o alijar da armadura, a retomada
das percepções, o reencontro com os afetos caros.
É o retorno à amplidão, uma celebração
da Vida em plenitude, sem as limitações humanas.
Se
desencarnarmos levando um mínimo de vitórias,
na luta contra nossas imperfeições, se algo fizemos
em favor do bem comum, combatendo o egoísmo; se aprendemos
a conjugar os verbos amar, perdoar, compreender, na vivência
do Evangelho, então
seremos muito bem amparados, e nos situaremos felizes como o
viajor que finalmente retorna ao lar.
Estavam certas as antigas culturas orientais.
Quem
sabe, um dia, quando essa realidade for melhor assimilada pela
Humanidade, haveremos de mudar as comemorações
do dois de novembro.
Não
mais o dia dos mortos.
Mais apropriadamente, o dia dos vivos.
Richard
Simonetti
Fonte:
Revista "Reformador" - Ano 121 - nº 2.096
- Novembro de 2006.