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Vendo o Invisível - Parte III |
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4 Fenômenos Limiares (causas materiais)
Câmara de Nuvens
O desenvolvimento da câmera de núvens, também conhecida como câmera de Wilson, representou um passo importante na física do século XX. Uma variante da câmera de Wilson é a câmera de bolhas que emprega líquido ao invés de vapor. O objetivo desse dispositivo é observar traços de partículas carregadas eletricamente. Naturalmente, partículas elementares são invisíveis. Por isso, esses dispositivos foram desenvolvidos, pois permitem observar indiretamente o traçado dessas partículas. Considerando ainda que existem partículas desconhecidas, muitas delas cuja existência foi prevista teoricamente muito antes da evidência experimental, a câmera de bolhas foi um dispositivo eficiente na comprovação experimental de novas descobertas. Charles T. R. Wilson e Arthur H. Compton receberam o prêmio Nobel de Física por suas descobertas utilizando a câmara de núvens em 1927.
O princípio de funcionamento da câmera de nuvens é bem simples [2][3]. Um gás ou vapor é colocado a uma pressão superior a pressão de ponto de saturação (a partir de onde começa uma transição de fase de vapor para líquido). Esse tipo de fenômeno é conhecido como “meta-estabilidade”. Basta uma pequena perturbação para que haja condensação do vapor na forma líquida que, então, pode ser observada. Essa perturbação pode ser causada pela presença de íons (partículas carregadas). Uma avalanche de condensação ocorre ao longo da trajetória da partícula gerando gotas que ficam em suspensão e que podem ser fotografadas.
O arranjo experimental da câmera de núvens é mostrado na Fig.6a . A câmara armazena o vapor à pressão correta. Um campo magnético pode cobrir a região de observação do fenômeno. Com isso, é possível saber a carga e medir a energia com que a partícula ou íon atravessa o espaço. Ao atingir a câmara, o vapor se condensa na trajetória da partícula ou íon, o que pode ser fotografado ou mesmo visualizado. A Fig. 6b traz uma imagem negativa de um traçado obitido em uma câmara de núvens onde se podem distinguir as trajetórias de diversas partículas facilmente (inclusive osfamosos mesóns pi).
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Fig. 6a Arranjo básico de uma câmera de núvens
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Fig. 6b Exemplo de traço de partículas obitido onde se evidencia a existência de píons e outras partículas elementares. |
A câmera de nuvens só funciona porque as partículas carregadas interagem com o vapor saturado. Partículas neutras não geram traçado algum (como se pode ver na Fig. 6b nos traçados em branco da partículas lambda e K que são neutras).
Câmera Schlieren
Hoje sabemos que o som é uma forma de vibração mecânica que se propaga no ar. Essa vibração tem freqüência particular (³) e impressiona diretamente nossos ouvidos constituindo o rico universo sonoro. Sabemos também que a sensação de calor advém das vibrações mecânicas das moléculas de ar ao nosso redor (que tem uma energia de movimento superior ao de um ambiente mais frio). O calor também se “propaga” como radiação: as vibrações moleculares podem ser “excitadas” por um tipo de luz invisível - a radiação infravermelha distante - que nada mais é do que um tipo de radiação eletromagética semelhante à luz ordinária mas invisível. É assim que recebemos o calor diretamente do sol, pois o espaço entre a Terra e nossa estrela mais próxima não tem densidade de matéria para possibilitar o transporte de calor por meio mecânico (colisão entre moléculas).
Tanto o som como o calor são acessíveis aos sentidos humanos por meio de sentidos distintos da visão. Entretanto existe um meio de tornar tanto o som como o calor visíveis. Essa é a tarefa de um dispositivo conhecido como câmera Schlieren [4] (do alemão “estrias”), que gostaríamos de comentar como próximo exemplo. O princípio de funcionamento e esquema de uma câmara Schlieren é mostrado na Fig. 7. Uma fonte de luz pontual é colocada no foco (ponto de convergência de raios do infinito) de uma lente convexa L1. Há uma certa distância de L1 uma outra lente convexa L2 (que pode ser idêntica a L1) é colocada de tal forma que seu foco coincida com a posição de um anteparo em forma de lâmina.
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Fig. 7 Esquema óptico de funcionamento de uma câmera Schlieren |
Um objeto é colocado entre as lentes L1 e L2. Esse objeto está colocado há uma certa distância de L2 de tal forma que sua imagem (se não existisse o anteparo em canto) é formada sobre o anteparo ou câmera fotográfica. Porque o anteparo em canto é colocado exatamente sobre o foco da lente L2, qualquer variação na posição do canto causa o obscurescimento da tela e nenhuma imagem é observada. O mesmo efeito acontece se houver uma variação nas propriedades ópticas do meio onde o objeto é colocado. Uma pequena variação nessa propriedade (conhecida como “índice de refração”, que mede o grau com que a luz é desviada pela matéria - sendo uma propriedade da matéria e da cor da luz) é amplificada pelo arranjo óptico e localização do anteparo. Assim, se na região de teste (onde se coloca o objeto) fizermos som se propagar a uma frequência e intensidade definida (usando um gerador de som) podemos observar no anteparo as variações de pressão causadas pelas ondas sonoras que também podem ser descritas como ondas de pressão. O som torna-se visível! A câmera Schlieren é utilizada em laboratórios mundiais na pesquisa de sistemas de aquecimento, combustão de gases, sistemas aerodinâmicos e outros [5]. Fotos desse tipo permitem visualizar fenômenos que acontecem em meios transparentes (o que inclui líquidos).
Além disso, qualquer variação térmica no fluído da região de teste torna-se visível no anteparo da câmera. A Fig. 8 trás duas fotos Schieren particularmente interessantes. Na Fig. 8(a) uma pessoa tosse. O fluido expelido (a uma temperadura maior que ambiente) produz eflúvios térmicos fácilmente visíveis. Pode-se notar também que o calor que emana da cabeça da pessoa provoca ondas de convecção que sobem por serem menos densas. Na Fig. 8(b) uma foto Schlieren de uma mão “recém-aberta” mostra eflúvios térmicos emanando da palma extendida.

Fig. 8a Imagens Schlieren mostrando eflúvios térmicos de uma pessoa tossindo
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Fig. 8b Mão “recém aberta” (b). Crédito: Dr. Gary Settles/ Science photo libray.
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Os dois exemplos mostrados mostram como explorando propriedades de mudança de estado de sistemas pode-se amplificar perturbações muito pequenas e tornar acessível aos sentidos comuns objetos ou coisas relacionados as causas das perturbações pequenas. No caso da câmera de bolhas, a metaestabilidade do líquido permite rastrear íons carregados tornando “visíveis” partículas ínfimas. No caso Schlieren, a região de foco onde se coloca o anteparo em canto é para onde convergem todos os raios da fonte luminosa que foram colimados pela lente L1. Portanto, qualquer variação da área provocada pela colocação de um anteparo provoca grandes oscilações no nível de luz no anteparo final. Variações pequenas no índice de refração do meio transparente são assim amplificadas permitindo a visualização tanto de fenômenos sonoros como térmicos.
Referências
3. Na verdade qualquer som, a menos que seja “puro”, tem uma distribuição de freqüências típicas.
Continua...
Ademir
L. Xavier Jr.
Fonte: Boletim GEAE (Grupo de Estudos Avançados Espíritas) -
Número 505 - 30 de Dezembro de 2005 |
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