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Lei da Sociedade

Que impactos sofreria uma pessoa que conseguisse viver completamente isolada da sociedade por dilatado tempo?

No romance Robinson Crusoé, o escritor Daniel Defoe (1660-1731) conta a história de um jovem marinheiroinglês que, depois de um naufrágio, foi compelido a viver só em uma ilha durante quase 30 anos. Na obra, o autor narra as peripécias vividas pelo personagem que enfrenta grandes dificuldades para sobreviver, alheio aos valores e intercâmbios sociais, até descobrir que não está só.

No filme Náufrago, o personagem vivido pelo ator Tom Hanks, no papel de Chuck Noland, engenheiro de sistemas de uma multinacional de entrega de encomendas, experimenta semelhantes problemas ao ver-se isolado por cerca de quatro anos em pequena ilha, como único sobrevivente à queda de um avião. Para driblar a solidão e passar o tempo, adota como companhia uma bola de vôlei, remanescente dos destroços do acidente aéreo, com a qual passa a “dialogar”.

Em condições normais, qualquer pessoa que assim agisse seria tachada de louca, por conversar com um objeto, mas não para ele, que se encontrava em situação de extremo isolamento. Para surpresa dos conterrâneos, que acreditavam na morte de Noland, ele retorna à civilização, depois de ser resgatado por um navio, mas encontra um ambiente totalmente modificado.A noiva de então contraiu núpcias com outro homem, o ambiente de trabalho já não era mais o mesmo.Por esses e outros motivos, vê-se compelido a repensarvalores e a recomeçar nova vida.

Histórias como essas, embora urdidas na mente criativa dos escritores e algumas vezes inspiradas na realidade, fazem-nos refletir sobre a finalidade e a importância da vida social, bem como da comunicação, às quais nem sempre damos o devido valor.

A vida em sociedade é uma necessidade básica do ser humano. Trata-se de uma Lei da Natureza, conforme a qualificam os guias da Humanidade, no capítulo VII, Livro III, de O Livro dos Espíritos. Atribui-se a Aristóteles, filósofo da Antiguidade, o aforismo “o homem é um animal social”. E com razão! Ser gregário por natureza,o homem sempre viveu em sociedade, sociabilidade que é instintiva em todos nós.

Não conseguimos viver sem o outro. Por isso, os mentores espirituais ensinam que o isolamento absoluto é contrário à natureza. De fato, o progresso é fruto da interação e da colaboração entre as pessoas. Ninguém evolui sozinho. Como os seres humanos não possuem aptidões iguais nem faculdades completas, precisam uns dos outros, da união social que lhes assegura bem-estar e progresso.

Da mesma forma, a construção do bem não é obra de um homem só. Toda conquista nesse setor é fruto do esforço continuado dos Espíritos, que se revezam, de reencarnação em reencarnação, com a missão de dar seu contributo para as gerações futuras, no permanente esforço da implantação do Reino de Deus na Terra, uma vez que “a evolução requer da criatura a necessária dominação sobre o meio em que nasceu”.

De retorno ao plano físico, que um dia deixou, vai encontrá-lo modificado, transformado, para pior ou para melhor, conforme semeou com suas atitudes no passado. E se reunirá, por afinidade, no santuário da família e em outros núcleos sociais, às pessoas com as quais precisa compartilhar para se desenvolver, resgatar seus débitos, encetar o seu progresso, ou dar-lhe continuidade.

Fala-se muito dos aspectos positivos da biodiversidade, da qual dependeria a sobrevivência da Humanidade. Com o homem não é diferente. A riqueza da diversidade social é o trunfo da civilização e do progresso. Isso nos mostra a sabedoria divina em nos fazer únicos, diferentes, embora sejamos iguais na essência. Parece contraditório, mas a diferença que poderia, a princípio, ser um pretexto para nos separar, na verdade serve para nos unir.Além disso, a vida em sociedade, que congrega pessoas de várias faixas evolutivas, proporcionaaos mais fortes a oportunidade de amparar os mais fracos, o que, aliás, é um dever imposto pela própria consciência.

Entretanto, a vida em sociedade tem suas imposições. É que nem sempre é fácil compartilhar experiências com o próximo. Onde vivem duas ou mais pessoas, existem limites a ser respeitados, regras a ser observadas,porque o direito de um indivíduo termina onde começa o do outro. Por isso, com o passar do tempo e o aumento da população, o homem sentiu necessidade de criar normas de conduta,de acordo com as suas necessidades, sua cultura e evolução, de modo a regular os conflitos de interesses que surgem dessas relações sociais, que dependem, para o seu desenvolvimento, de um processo de comunicação cada vez mais eficaz.

Porém, não basta comunicar. É preciso saber comunicar e com que objetivo. E essa é uma ciência da qualainda somos trôpegos aprendizes. Inscientes de que o dom da comunicação nos foi concedido como meio de aproximação e entrosamento, para o aprimoramento da vida em sociedade, não raro dela abusamos, utilizando-a como instrumento de domínio, a fomentar discórdias e insegurança.

Possuindo os indivíduos habilidades e talentos variados, é natural que entre eles haja dissensões oriundas de pontos de vista diferentes. Contudo, se tiverem humildade e disposição, as chances de entendimento aumentarão, pois sempre é possível aprender algo com alguém, não importa sua classe social, o nível de seu intelecto, a faixa etária, a raça ou o sexo. O grande desafio está em aproveitar essas diferenças em favor do bem coletivo.

Apesar disso, ainda existem ordens religiosas, cada vez mais raras, que se isolam, a pretexto de servir a Deus, o que caracteriza “uma fuga injustificável às responsabilidades do dia a dia”. Outras, além do isolamento, adotam o chamado “voto de silêncio absoluto”, olvidando que a palavra é uma faculdade necessária à vida de relação concedida pelas leis divinas. Somente o abuso é condenável, pelo qual sempre respondemos.

Não se nega, todavia, a utilidade do silêncio nas meditações, nas preces, com a finalidade de proporcionar contato mais proveitoso com os valores espirituais. Ele é necessário, quando oportuno, porque pelo silêncio interior criamos condições de nos comunicar mais claramente com os nossos protetores espirituais que nos amparam em nossa jornada evolutiva. Contudo, esse isolamento é cíclico e por tempo reduzido, tendo por finalidade retemperar nossos sentimentos e pensamentos, com vistas à continuidade da vida em sociedade, que reclama o contato permanente com os nossos semelhantes.

Ressalve-se, porém, a atitude daqueles que buscam no insulamento a realização de certos trabalhos, com o objetivo de servir a Humanidade, no campo científico ou em outro qualquer, os quais também exigem renúncia e solidão:

“Esse não é o retiro absoluto do egoísta. Eles não se isolam da sociedade, já que trabalham para ela”.

O progresso enorme dos meios de comunicação, a expansão do comércio, a globalização e o aumento da concentração do número de pessoas nas cidades, entre outros fatores, têm contribuído para o surgimento de problemas de difícil solução, tais como a poluição ambiental, a miséria, a desigualdade social, a criminalidade, as drogas, o desemprego, o racismo, as doenças sexualmente transmissíveis, entre outros. Essas questões sociais exigem do homem moderno a necessidade cada vez maior de adaptação ao meio ambiente, tendo em vista o aprimoramento das relações sociais, e se constituem mesmo num gigantesco desafio aos governos, aos estudiosos e especialistas.

Entretanto, os homens somente resolverão esses graves problemas, em definitivo, quando adotarem as virtudes ensinadas por Jesus:

Toda a moral de Jesus se resume na caridade e na humildade, isto é, nas duas virtudes contrárias ao egoísmo e ao orgulho. Em todos os seus ensinos, Ele aponta essas duas virtudes como sendo as que conduzem à eterna felicidade [...].

Quando os homens as adotarem como regra de conduta e como base de suas instituições, compreenderão a verdadeira fraternidade e farão que entre eles reinem a paz e a justiça.

Enfim, a Lei de Sociedade é a pedagogia de que se serve a Inteligência Suprema para educar as criaturas, a fim de que elas conquistem por si mesmas a perfeição que lhes está destinada por herança divina.

A vida em sociedade, gostemos ou não dela, é uma imposição da Natureza, que nos conclama à solidariedade e nos impulsiona ao progresso intelectual e moral, enquanto o isolamento sufoca e embrutece o homem em todos os sentidos.

Christiano Torchi
Revista Reformador - Maio de 2011
Publicado em 14/01/2014.